“El Comandante”
Edição exclusiva
Domingo, 9 de Junho de 2024

Anjo da minha Mãe San MOSA
Mãe! Uma conversa aqui, outra pescada acolá, têm sido fertilizantes de ganhar arquitetura o direito da criança, melhor, das crianças de mais de uma Mãe, venham a ser, finalmente, certificadas de apenas uma, de encontro às normas instituídas, pelo que, foi gratificante confrontar a aberração do Estado, no antigamente, atribuir duas Mães aos filhos de uma só mulher.
Não é legítimo que os filhos saídos do seu ventre possam ser, oficialmente, uns, filhos de Bebiana e outros, de Ambrósia, ou simultaneamente, filhos das duas, enquanto nessa busca, vou contactando com indivíduos sem o registo de progenitores. Sim. Mulheres e homens, alguns já adultos, na atualidade, fora do sistema oficial. Não são uns dedos.
Fiquei perplexo na tentativa de traçar o rumo de desenvolvimento ao país, excluindo a fila de pessoas que existem, mas fora da base das estatísticas do Estado. Como chegamos até aqui?
Oh Mãe! O país se tornou mesmo numa autêntica bandalha apesar de décadas da propalada Reforma da Administração Pública e Justiça!? Fui ainda informado da existência de outros registados apenas pelo pai. Filhos sem Mãe. Era recorrente existirem filhos sem pai, ou seja, registados apenas pela Mãe. Agora, filhos sem Mãe!?

Bandeira de São Tomé e Príncipe para “El Comandante” Horácio
Mãe! Na busca de uma Mãe, Bebiana ou Ambrósia, de 94 e 91 anos, respetivos, uma conterrânea arrancou ossadas ao teu filho, o Pioneiro, quem o funeral viu o Estado representado pela prestigiada segunda figura, Presidente da Assembleia Nacional, a época, dona Alda do Espírito Santo, em passo leve-leve na cabeça do cortejo fúnebre embalado pela oração do padre Fonseca.
Os rostos da vila que ficavam em sentinela por cada manhã ou entardecer na obediência à Bandeira Nacional hasteada e arreada, diariamente, na chuva ou no sol, pela trombeta do Pioneiro e seus soldados, sabem que o país meditava na raiz do seu parto, vir a dar um presidente da República, não ao exemplo de uns tantos, sem a noção do papel que lhes cabe, enquanto chefe do Estado.
A vila deve guardar memórias de Santa Rosa, o destemido chefe policial, similar aos políticos, a fazer – nada mais, nada menos - continência ao rebelde Comandante, inigualável, de prontidão; criatividade; rigor e performance dos militares. Não foi obra do acaso, a Jota, de conceito premeditado, ter cortado pernas ao seu filho, riscando-lhe da lista de dezenas e dezenas de miúdos e jovens enviados na primeira caravana de estudantes ao país do presidente Fidel Castro, Cuba da Juventude.
Oh Mãe! Após a partida do Pioneiro Horácio, aos 14 anos, ocorrida no dia 10 de Março, lá vão 43 anos, eu não cruzei os braços às lágrimas que não paravam dos seus olhos. A rebeldia colocou-me caneta atrás das fotografias da exéquia fúnebre.
1º de Junho
Mãe! A Revolução de Cravos e a consequente soberania de 12 de Julho, trouxeram festas aos adultos. Os dias 1º de Maio; 6 de Setembro; 19 de Setembro; deram pujança política a 21 de Dezembro e 17 de Janeiro, mas não existe festa que supera a elegância do Dia 1º de Junho. Numa radiografia simples, ninguém em São Tomé e Príncipe conseguia travar doçura, alegria e olhos esperançosos por 1 de Junho que teimava em não chegar cedo para matar a ansiedade infantil e elevar o brio do seu Pioneiro à vila.
Com o passar dos anos, os festejos dos adultos perderam fôlego e passaram a ser passagem de modelos, cansados, sem o público na assistência para bater palmas, enquanto o fim de semana, o anterior, como tornou tradição blindada de Pão, Paz e Amor, foi mais uma correria a um 1 de Junho com beijocas dos falsos profetas - padrinhos sem amor às crianças - que lhes abandonam o ano todo nas ruas da desgraça, fome, violência doméstica e do abuso sexual.
Oh Mãe! A data deveria ser para o Estado, ao menos, aparecer com a inauguração da nova escola, o prémio à melhor escola ou aos melhores alunos, distinção ao melhor método de ensino e professores. Não! Ao mais alto, apareceram uns leões na pele de lobos para degustarem da inocência festiva, sem que o povo demonstrasse solidariedade às crianças que viram os seus pais serem apagados, em 2022, pelo Estado que teima em rasgar todo arquivo de 25 de novembro com o tribunal militar de juízes postiços sem carteira do direito de julgarem mãos sanguinárias do Estado.
Exposição à vila
Mãe! Ainda não havia televisão que acabou por chegar, embora experimental, no ano seguinte, 1982. Então, eu persegui as fotos e, miúdo, fiz a primeira reportagem fotográfica da vila, parando todo mundo aos olhos do pavilhão do mercado municipal. Seguindo ao pormenor, o Jornal do Povo - não me engano no nome - que era exposto na Feira Grande, na capital, coloquei Trindade a verter, de novo, as lágrimas dolorosas pelo Pioneiro Horácio.
Não era o meu primeiro jornal de parede. Não, não! Uns cúmplices, miúdos rebeldes – a rebeldia diferente as da atualidade – Acacinho Afonso e Tomás Rita, o primeiro, um exíguo desenhador que colocava caricaturas nas anedotas e adivinhas e, o segundo, além de maior especialista de dribles com a bola na perna esquerda da nossa Trindade Futebol Clube, que só ele possuía, escrevia temas cativantes no jornal. Nem sei qual o itinerário, os dois largaram as habilidades de arte e jornalismo. Talvez, tudo no lixo.
Diferente, o seu filho, faz “muzula”, ou seja, tenta fazer o «inglês ver» paciência das palavras aborrecidas por um louco.
O povo “matabichava” e almoçava, há quem não tirava os pés, dava lanche aos olhos, todos os dias nas fotos expostas por mim no pavilhão, antigo gabinete da Jota. O país ainda não tinha desviado ao mercado liberal, daí o Comité, a OMSTEP e a Jota, tinham respetivos gabinetes na vila, ocupavam tempo a todo mundo e, atrevidos, impunham ordens ao ser e estar aos são-tomenses. Que ousadia!?
Maldade humana
Mãe! O corpo adolescente, após os três meses de subidas e descidas calejadas de guerreira, ao hospital Ayres de Menezes, sucumbiu pela tempestade, com muita crença «na garrafa largada, algures, no fundo do mar pelos feiticeiros das ilhas» com o nome do Pioneiro Horácio com que «as ondas lhe enchiam e esvaziavam a barriga» consoante pancadas do Atlântico.
Sem contaminação física, química ou biológica, mas por causa natural, não diagnosticada a tempo de evacuação ao estrangeiro, o cadáver liberto do hospital, foi seguido no maior cortejo de um funeral da vila, em suporte de lágrimas da multidão, tendo descansado eternamente na última morada, no cemitério da Trindade, no dia 11 de Março de 1981.
Memorial ao Pioneiro
Mãe! Não viste nada. Os pais não devem sacrificar o coração expondo os olhos de amor na maior das dores do mundo, o cadáver do anjo de Deus. A Bandeira de São Tomé e Príncipe cobriu o caixão do Pioneiro Horácio à Paz Eterna. Não me recordo do esconderijo por onde mascaraste a tal Bandeira ao filho, nem introduziste o hino dos Pioneiros que a multidão após fechar escolas, serviços e comércio, cantou ao maior Pioneiro de todos os tempos.
Pelo facto de Deus ter confiado o único Comandante, garoto, às ilhas, no papel exclusivo às crianças, quando eu for grande, vou escrever uma lápide no coração da Trindade com o nome dele ou talvez, o de SAN MOSA, a MÃE do Pioneiro Horácio Dias de Sousa Pontes.
Mãe! Descanse em Paz Eterna!
O teu filho,
José Maria Cardoso