12 DE JULHO

Edição exclusiva

Domingo, 7 de Julho de 2024

“Dependenxa” da minha Mãe San Mosa

Mãe! No meio da lenga-lenga dos filhos de duas mães, Bebiana e Ambrósia, numa só mulher, não havia de faltar, neste mês, ou seja, a religiosa alimentação ao seu Eterno Descanso na fé confessada, até ao último dia, deixando aos filhos, mesmo não frequentadores da igreja, a crença enraizada no Vaticano e catolicismo

Similar convicção tradicional, diferente das ovelhas do Senhor que nos últimos tempos mudam de igreja como que a religião, de um dia para o outro, se transformasse na roupa suja, fazendo-lhes companhia a Bíblia Sagrada, apertada à leitura diária, muitas apenas renovam cadastro, apesar de pretensão da compra de boa vontade à Deus para mascarar-lhes de santas.

Missa de sexto-mês

Mãe! No próximo dia 21 de Julho, vamos rezar na igreja de Moauns-Santoux - difícil pronúncia, mas é bem fácil, diz-se “Monsatu” - a missa do descanso, esta no preenchimento das saudades do meio ano da sua partida à eternidade. Aproveitaremos a sessão de Paz dos espíritos na Santa Casa do Senhor para o padre celebrar a missa de recordação, em homenagem também da sua neta, a Elizé e, do homem, a quem dispuseste as suas pernas abertas para dar os filhos, o meu pai, Américo.

Eu e a família, no cumprimento da tradição, embora à mistura com a civilização - a minha vida profissional nem permite o rigor vestuário de luto –, convidamos todo mundo que vem abraçando as nossas dores de perda, para no final da liturgia dominical, num ambiente de confraternização, típico das ilhas, irmos bater os dentes com os talheres e copos no salão de Blackiére.
Por um valor aceitável, pagamos o espaço camarário cultural que recebe umas boas dezenas de humanos. Para não incomodar os vizinhos, ao ponto de atrapalhar a boa convivência, não faltam os espaços privados e camarários, estes a metade do preço, aos residentes na freguesia, quando quisermos juntar o povo, nem que seja para festas, fins políticos, religiosos, culturais ou familiares.
Para a celebração da vida, já realizamos no salão de Blackiére - tem cozinha (frigorífico e geleira) WC e muito calor, uns 40º graus, porque o arquiteto distraiu-se de ventilação - batizado e casamento e, mantendo a lógica de não incomodar os vizinhos, vamos por lá confraternizar o seu eterno descanso com baralho, contos, dentes, língua e dedos das mãos.

Xenofobia

Mãe! Fomos forçados, a não coincidir com a data de 7, referente ao dia 7 de Janeiro – sua partida -, porque a Democracia, nos dias 30 Junho e 7 de Julho, a última hora, fazendo vontade ao presidente da República, Emmanuel Macron, retirou do salão as atividades programadas. Por lá, realizam-se eleições. Após as europeias, realizou-se nas duas datas, a mesa de assembleia do escrutínio legislativo.
É bastante interessante, reservamos um dia para conversas acerca das recentes eleições e a consciência dos franceses, porque afinal, participando na economia do país de acolhimento, é do fruto de trabalho no sol abrasador, na chuva gelada ou neve de tremer os dentes, que nós enviamos as reservas financeiras à retaguarda familiar nas ilhas, através da valiosa ajuda alimentar, medicamentosa e, não só.
Oh Mãe! Na 1ª volta, os franceses, individualmente, votaram a favor dos seus candidatos à Assembleia Nacional, nos diferentes partidos, enquanto que na 2ª volta, votaram massivamente contra uma candidatura partidária. Os intelectuais, artistas, músicos, desportistas e mais consciências francesas, sem banho, são sensíveis às causas sociais e votam à esquerda. Na simbiose elegante, acabaram por azedar o champanhe na boca dos radicais da extrema direita, estragando a antecipada festa de 1ª volta, ganha pelos extremistas, demonstrada por insultos, expulsão e ameaças de morte contra os estrangeiros, especialmente da pele negra e dos magrebinos.

Democracia

Mãe! Você não entende disso. Apesar de linda, a Democracia, é um pouco feia, ou talvez, não menos bonita, quando os homens usando os meios para atingirem os seus fins, por vezes, inconfessáveis, em causas e interesses pessoais ou de grupos, não querem saber do povo que através de uma cruz se crucifica, carregando-lhes às costas ao trono.
Durante mandatos de três, quatro, cinco ou até sete anos, seguidos e, por vezes, repetidos, os eleitos representam e conduzem o rumo do país, mas alguns em contra-mão, fingem num faz de contas, conduzir os sagrados destinos dos eleitores que eles traem em nome do falso bem-estar coletivo.
Por cá, o “plé-mundu”, ou seja, a terra distante onde pesco a aventura, não foge à regra, embora seja bastante sofisticada a democracia que baseada na liberdade, fraternidade e igualdade, os cidadãos gozam de direito do pensamento, de escolha e do contraditório e, as instituições judiciais funcionam, chegando a cair por cima de todos, nem que seja o presidente da República.
Há um antigo presidente francês, Sarkozy, em contas africanas com a justiça e nesta altura, sob pena judicial, apesar do poder que exerceu e volantes com que dá voltas às provas dos factos de ter recebido, em 2007, o dinheiro, milhões de euros de cofre público da África para a sua campanha presidencial com que saiu eleito pelos franceses.

Interesses internacionais

Mãe! A democracia dá de borla e não cansa de oferecer os milhares e milhares de milhões de euros para a guerra do ocidente contra a Rússia na Ucrânia e permanece ao lado dos israelitas que cometem o vergonhoso e sangrento genocídio contra o povo palestino. A pretensão assassina de acabar com um povo, palestino, já vai em mais de trinta e nove mil baixas mortais, desde 7 de Outubro do ano passado, em que os revoltosos pela ocupação e indignidade, através do braço armado, o Hamas, atacaram os israelitas, assassinando mil e duzentas pessoas, sequestrando mais de cento e cinquenta, de várias nacionalidades. Por mil vítimas israelitas, já foram assassinadas quase quarenta mil palestinos, incluindo crianças, mulheres e velhos indefesos, através de bombardeamentos até aos hospitais, viaturas de ajuda internacional, centros de acolhimento das organizações internacionais e jornalistas.
Oh Mãe! Você não entendia da política e dos interesses da geopolítica internacional, mas esses valores, milhares de milhões de euros, punham o fim a todos os conflitos que matam e desesperam a África, atirando os seus filhos ao cemitério a céu aberto no deserto e ao fundo do Mediterrâneo, assim como tantos outros milhares de cadáveres deslocados no interior do continente.
A civilização afugentou os elefantes do habitat natural, aproveitando-se da sua riqueza e, famintos, eles invadem cidades, na busca de sobrevivência. Tão simples como a água.

12 (doce) de Julho

Mãe! Na madrugada da sexta-feira, a próxima, do dia 12 de Julho, vamos comemorar na ilha do Príncipe, os 49 anos da maior festa dos são-tomenses, infelizmente, num mar de tristeza, medo, descrença, desespero, amargura e pouca esperança nos olhos chuvosos do povo, a assistir máscaras luxuosas, escondendo os rostos dos governantes egocentristas, servidos pelos escravos da ganância, iluminados, que esmagam a democracia, corrompem o Estado e manipulam a justiça.
As políticas económicas, sociais e penais, não passam de faz de contas proibitivas ao contraditório que pudesse ajudar a traçar e dar credibilidade ao rumo de desenvolvimento das ilhas. Não são contos de fadas, alguns filhos da terra, com algum disfarce, tomaram para si a independência, comeram as frutas maduras e, pior, o povo alegre, votou na democracia que desmascarou a ganância, o roubo, a corrupção, o individualismo, o assassinato e tudo, que não seja o bem coletivo. O sentimento contrário, por mais palavras, nenhuma televisão, nenhum jornal, rádio ou escritor, consegue transportar no tempo, o 12 de Julho de 1975 - bandeira a arrear, bandeira a subir, vestidas de lágrimas emocionais - aos dias de hoje.
Não há assim o motivo para a aposta de que nenhuma geração esteja à altura de se vitimar, em ser a mais traída pela independência como a do seu filho que deu tudo, de melhor aos filhos até viagens pelo mundo que, ainda assim, reclamam de maus pais.
Oh Mãe! Éramos miúdos rasgados, descalços e limpos, de nove, dez, onze, doze e treze anos, com a consciência completamente exposta a guardar bem e mal, nas prateleiras da memória, quando o país, em ebulição, saiu à rua para correr com uns; receber os outros; assistir muitos fugirem pelo pecado serviçal; esvaziar armazéns e unir em gritos, os trabalhadores das roças, a maioria cabo- verdianos, angolanos e moçambicanos, aos da cidade, pela Independência Total.
Você foi testemunha das mulheres, Mães e especialmente “palaiês”, ou seja, vendedoras como você, que numa marcha memorável, lideradas pela lendária poetisa Alda Graça, rumaram ao palácio colonial, exigindo ao Alto Comissário, Pires Veloso, a soberania de
São Tomé e Príncipe.
Mãe! Descanse em Paz Eterna!


O teu filho,
José Maria Cardoso