BÊNÇÃO DE MAIO
Edição exclusiva
Domingo, 12 de Maio de 2024

Maio à minha Mãe San MOSA
Mãe! Nas diligências para ter a minha Mãe, Bebiana ou Ambrósia, já estive com o Estado. Uma dor de cabeça. Já estou na organização de papéis e testemunhas e, apercebi-me, ao que ilustra a magia africana, todos nascidos, mesmo os da distância do centro do mundo, entre as pernas, são filhos do peito feminino. Então, sem mangas para a discussão, qual foi a razão do estímulo de doação de Maio à África? As Mães, por lá, caem e levantam com os anjos de Deus, às costas e nos braços para que enquanto guerreira, San Mosa, na condição de verdadeira Mãe, seguindo a regra, também distribuiu amor aos filhos? Na realidade, as pétalas distribuídas por ela, em tamanho do mundo, até sobram sorrisos aos netos e bisnetos.
Oh Mãe! Aprendemos, desde a tenra idade, a “descê-grota e subi-cavalete” com a gamela de roupa, bem lavada por nós, filhos-homens, na Água-Pequena, Água-Grande e Água-Cola; cesto de “izaquente” brilhado no riacho para matar a fome; cesto de “andin” pisado pelo João Pobreza, o Tonga Neto - seu auto nome, em devoção ao Agostinho Neto, o 1º presidente de Angola - outras vezes, por ti e filhos-homens; cesto de “canvi” para acender a fogueira e, caroço, depois de fuzilar, casualmente, os vidros dos olhos, ganhávamos os trocos no Novo Mundo com que, na hora, pegávamos os mantimentos de jantar e mata-bicho; lata de azeite de palma para amealhar outros trocos; lata e garrafão com água; feixe de lenha e frutas de cozinhar por nós, a nossa rotina. Como crer que os são-tomenses não trabalham por nada desse mundo? No quintal, nas folgas de “palaiê” e lavadeira da vila, a carência e o amor ralhavam connosco, erguendo os pés descalços do chão para o pescoço voltar a encaixar os ossos na coluna vertebral, todos “ngunhados”, encruzilhados, de excessiva carga que apanhava boleia na nossa cabeça, ainda verde.
Por cada queda, tinhas os filhos ao peito, bem apertados, nem que a estrada pelo mundo te fizesse borbulhas nos pés de alcatrão fervente de calor tropical. Da boca como os pássaros, a alimentar os filhotes pelo bico, mas impedida de asas para voos, nunca nos chegou a riqueza das fazendas do nosso avô, Cardoso Manco, na ilha do Príncipe, pior, das terras em Portugal ou Brasil. Então!?
Mãe! A vida toda não te faltou lágrimas despejadas do coração maternal. Esta é outra longa cantiga em busca de uma Mãe para mim, comigo na dúvida optada pelo Estado de oferecer duas Mães aos teus filhos.
Maio, o mês de Mãe e África
Mãe! Em cadeiras obedientes à quebra-cabeça do dia-a-dia com o elevado orgulho do Minho ao Timor, jamais os professores nos tiraram um pé da cantiga 25 de Maio. Nesse Dia com “D” grande, no ano de 1963 - só mais tarde viemos a saber - que os chefes de Estados africanos, na época, libertos da colonização europeia, sacudiram saia à cabeça. Não é bem assim!
As mulheres – diferente do homem de Carnaval, caem estilo a traje - ainda não podiam chefiar Estados, nem Governos, que mesmo nos países civilizados e democratas, elas estavam (e estão) limitadas de direitos. As três dezenas de chefes de Estados africanos reuniram-se na capital da Etiópia, Addis-Abeba e formalizaram a criação da Organização de Unidade Africana, a OUA, que decidiu pelo apoio aos territórios africanos colonizados à autodeterminação, ou seja, os povos africanos, a par de outros, deveriam tornar-se senhores dos seus destinos.
Numa só palavra, a organização pela via diplomática, iria tudo fazer para o fim de bofetada, chibatada, delapidação e maus tratos, a humilhação de homem branco, crente na “raça superior”, contra os negros, a “raça inferior” que não, há muito, ainda eram expostos em redes, nas mais importantes praças europeias para saciar curiosidade branca do bicho com fala, inteligência, corpo e gestos, tão semelhantes aos visitantes. Para vexame dos turistas, apenas o pigmento na pele, estimulava a integrante diferença.
Oh Mãe! Acreditas que até aos dias de hoje, livros, filmes, televisão e Internet, ainda não impedem que certos povos europeus, na dúvida, apalpam e se estranham do pigmento do homem negro?
Nariz da África nos Três Pastorinhos de Fátima
Mãe! Há gente da terra, no direito democrático, de gravata e casaco, na defesa de que os filhos das ilhas não devem sequer levantar nariz na compensação histórica.
O eventual despovoamento aquando das descobertas, no século XV, 1470/71 e as gotas na cooperação, estas aproveitadas pelos que tomaram para si a soberania e, agora, a democracia, bastam aos cinco séculos de dominação colonial. Que aberração e inversão de conceitos!?
Ó Mãe Negra! Abriste pernas amorosas e picantes ao meu padrasto europeu que te ofereceu a terra, construiu-te casa, esbofeteou e matou carne e espírito à ti, ao meu pai, aos meus avôs, à mim, aos meus irmãos, aos meus vizinhos e às mãos de obras negras, estas capturadas de além mar, hoje, há quem me retira o direito legal, moral e ético de exigir aos herdeiros dele, o meu padrasto português, coisa simples? Restituição da dignidade africana, indemnização e devolução financeira da pilhagem? Parece comédia! Né?
Desde os primeiros livros, fazíamos a peregrinação anual à Fátima, atrás dos Três Pastorinhos de Cova da Iria, Jacinta, Francisco e Lúcia que nos abriam horizonte à religião e à solidariedade social.
O que nos cabia ainda na ponta da língua, é que todos os anos, no dia 3 de Maio, os olhares acordavam e colavam-se ao céu, na expectativa que ela chegasse a qualquer hora. A riqueza que fartava às ilhas, tinha de “maiar” para banharmos e embebedarmos de gotas da despedida para a amável receção da gravana com piquenique nas deslumbrantes praias e fartura de tudo e abundante peixe, este que punha fim à dieta, desde setembro, a cortar os olhos à ginástica diária, quase sem proteína marinha nos pratos dos seus filhos.
Era de obrigatoriedade religiosa que a “chuva chovesse”, em 3 de Maio. Quando Deus, ocupado por outras fronteiras, não nos abrisse a torneira, contávamos mais quatro dias, 7 de Maio, para cumprir com a tradição. Chovia mesmo para o nosso banho e a nossa bebedeira da bênção divina, uma oferta da Mãe Natureza!
Oh Mãe! Na valência carinhosa, todos os anos, o primeiro Domingo de Maio, celebrado na semana passada, até que chegue ao Dia da África, 25 de Maio, se romantizou nas cantigas e palavras poéticas à Mãe. Cá no “plé-mundu”, a terra longe, por onde atravesso o presente com os olhos no futuro triunfante, o último Domingo de Maio, afinal, é o Dia da Mãe.
Parabéns às Mães do Mundo e, em especial, à Mãe Africana!
Mãe! Descanse em Paz Eterna!
O teu filho,
José Maria Cardoso