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Domingo, 11 de Agosto de 2024

Blackiére à Minha Mãe San Mosa

Mãe! Promessa feita, realização perfeita como manda a tradição dos são-tomenses, crentes na vida espiritual, após a morte física, ainda que os anos passem com a rapidez da noite que dorme e, logo de seguida, acorda o dia aos compromissos estudantis e laborais, este de engrandecer as economias dos países de acolhimento africano.

No Santo Domingo, dia 21 de Julho, com o mundo na igreja de Mouans-Sartoux, “Monsatu”, realizamos a missa do Sexto mês, pelo seu eterno descanso, como havia anunciado, extensiva à Ellyzé, a sua neta e ao Américo, o seu pai de filhos, num ambiente misto, em que a religião do Vaticano, a cultura de São Tomé e Príncipe e a civilização europeia, criaram um envolvimento nostálgico fora de comum.
Oh Mãe! Porque eu e a sua nora, a Betinha, após o padre, um jovem africano, ter fechado a missa, fomos conferenciar com as beatas na sacristia, quando saímos, demos com a multidão à porta da igreja que nos renovou as condolências pela perda da nossa ente querida.

Surpresa de última hora

Mãe! A sua filha pela fisionomia e até no sorriso, para todo mundo que vos conheceu, desde Chácara, em São Tomé, na verdade, a tua sobrinha, a Maria da sua irmã, a Afonsina, sem que eu soubesse da vinda de Lisboa, no sábado anterior, nos surpreendeu acompanhada das filhas Cléria, Mercedes, beijocas e lágrimas que não lhe poupavam os olhos molhados pela eterna partida da tia, amiga e comadre.

De seguida, uns minutos após ao meio-dia, corremos nas respetivas viaturas, dois quilómetros, até o salão cultural de Blackiére, onde os vários cheiros de pastelaria, apimentados pela Silvestra, uma cozinheira de mão-cheia, diplomada e experimentada num lar de idosos, em que os hóspedes, mesmo alguns com as falhas de memória, têm na língua, os pratos e os dias do seu piquete. Não enganam, nunca! Os conhecimentos adquiridos no curso francês misturam-se num guisado com o sabor especial, autêntico e típico da cozinha são-tomense.
Os outros pratos cerimoniais, madrugados por outras cozinheiras, incluindo a Betinha, apesar das dores na perna, antes partida, que recusa o peso do corpo, entupiram os estômagos que a boa-maneira da terra, quem não trouxe panela cheia, fez-se acompanhar de cartões de cervejas, garrafas de vinhos, bebidas espirituosas, sumos, água que, no final, o excesso foi partilhado para regresso à casa de cada um. Era tanta, a comida e bebida.
Sentimos a falta de cacharamba e vinho da palma, mas as beijocas e os abraços são-tomenses,cabo-verdianos, guineenses, franceses e espanhóis que petiscaram o Santo Domingo, trocaram pés às saudades.
Quem veio de longe e que se fez acompanhar de nada, a abanar as mãos, discretamente, encostou-me à parede e numa sala de rumba, me introduziu no bolso, as notas de euros.
Valeu a pena, eu não ter cedido ao estrangeirismo e cumprido a tradição para num ato de fé católica, agradecer ao mundo que nos vem acompanhado na tristeza de Ellyzé, Américo, o meu pai e, mais recente, da minha Mãe.

Reconhecimento público

Mãe! Seria ingratidão, não tornar público, os agradecimentos – espero, por mais fome, não comer um só nome – aos que com o calor humano, indisfarçável, abraçaram o Santo Domingo de Missa do 6º mês da Eterna Partida de San Mosa da linda vila da Trindade, hoje uma cidade arruinada, em cada esquina do rosto.
Maria Almeida, Cléria, Mercedes e namorado;
Pascoal (filho de Américo), Leopoldina, filhos e genro; Amâncio (filho de Américo) e Atanásia;
Dulcelene, Erica, Silvestra, Kalão, Laury, Dourice, os netos de Américo; Eugénia (neta de Américo) e António;
Zaú e Tina;
Mamyty e Óscar; Tété e Galucho, os filhos da minha madrasta, a Beny; Rita Trindade;
Honorato e Leonor; Osvaldo e Joy; António Pedro e Solange; Benvindo de Pinheira; Rui de Formiguinha de Boa Morte;
Carlos Borja, Jorge Mendonça; Helena Santos; José Mendonça;
Manuela e Lucas; Nhã Fátima; Sandra e Nené; José Pereira;
Alba e a mãe, Isabel;
A especial gratidão, óbvio, é reservada à Betinha que apesar da escala de trabalho, fugiu da EMERA, madrugou-se na panela de cozido de banana-pão e molho de bacalhau, ofereceu sangria, pintou salgado e bolo e, esteve sempre ao meu lado. De noite, enganou o sono debaixo das torrenciais dores musculares e do gemido constante para regressar com a indispensável energia aos seus pacientes, no lar de idosos.

Hotel da terceira idade

Mãe! Pobreza mental, ignorância e má fé dos políticos enganam os respetivos povos africanos.
Aquilo que muito nos animava, a assistir nos últimos tempos da sua vida, longos onze anos de sofrimento, você recusou com todas as letras - preferiu o colo dos netos, Alailzy, Celma e Miguelinho - porque “asilo, é a casa de gente sem família”. Não! A mais louca mentira.

O atraso propositado e egoísta dos governantes, mantém essa ideia errada em relação à casa dos idosos, em São Tomé e Príncipe. Com muitos filhos, longe de quem, debaixo de sol e chuva, lhes ofereceram tudo de melhor, o lar para a terceira idade, deveria ser uma aposta de investimento para com a longevidade da saúde dos mais velhos.
Cá, no “plé-mundu”, a terra distante, os lares dos idosos, são autênticos hotéis, ou talvez, um hospital de topo, de luxo. Para colocar alguém, por lá, os familiares desembolsam valores que começam por volta dos mil euros, estes apoiados pela Segurança Social, até para cima de 10 mil euros, mensais. A mensalidade vai para cima de dez mil euros. Isso mesmo. Fazendo um paralelismo, o salário mínimo, não passa de 1200 euros, mensais. Portanto, desembolsa-se num mês, ao equivalente aos dez meses de salário de um trabalhador, para a mensalidade de cama e mesa no lar dos idosos.
Oh Mãe! Os quartos, onde Betinha presta o seu profissionalismo, são individuais. Os pacientes beneficiam de total privacidade, seus animais de estimação, suas plantas, seus pertences, até suas jóias e muito mais. Não são pessoas acamadas ou com necessidades especiais, as únicas que escolhem os lares. Algumas pessoas com mobilidade, diariamente, vão às compras, ao luxo, gozam do prazer da vida e têm o lar como forma de não estarem isolados nas respetivas casas.
Existem especialistas de apoio disponíveis, desde médicos, psicólogos, desportistas, animadores culturais, músicos, cabeleireiros e mais profissionais que prestam mordomia diária ao lar francês da sua nora.
Há mais de um restaurante que serve as refeições, também aos familiares dos hóspedes, que ainda acamados, festejam com o bolo, as canções e palmas de aniversariantes.

Solidariedade Social

Mãe! Não entendo como o presidente da República tem sono ao lado da sua esposa, a nossa Fátima, missionária. Eu não falo política. Sereno, ele assiste um primeiro-ministro que viaja todos os dias, governa o país a partir de estrangeiro, na fórmula vergonhosa e criminosa de saque ao tesouro público, com a inteligência intelectual, em fila e submissa a lhe bajular, enquanto uma jovem paciente Salvaterra, 34 anos, mãe de quatro filhos, menores, hospitalizada há meses, diagnosticada enfermidade e, há mais de um mês com a junta médica, não é repatriada para Portugal, por falta de botija de oxigénio para lhe sustentar a vida ao longo do embarque.
Oh Mãe! Após os assassinatos de 25 de novembro de 2022 pelo Estado, assassinatos constantes por falta de assistência médica e medicamentosa, o país, calado, assiste o assassinato de Salvaterra?

Pêsames

Mãe!
Há um mês que procuro por uma amiga, a Natália Marques, para de viva voz, deixar o coração prestar-lhe as cómodas condolências pela partida de alguém, uma Mãe para mim. Nem ela, nem a Chica, nem a Déo, nem a Ivove, nem a Jacinta, eu consegui estar por perto, senão as palavras no meu lugar, endereçadas na página privada digital da Natália e que foram extensivas às irmãs e aos familiares.
A dona Fernanda Marques, desde a minha infância - você corroborou - sempre me reservou um especial amor de filho e mesmo já homem, parecia que nem ela, nem a Mãe dela, não deram pelo meu engrossar de voz, os pelos saindo no rosto às pernas e a minha altura de homem. Ela no idêntico panorama, me oferecia o mesmo carinho de gaiato, a razão de jamais ter a coragem na língua ou no coração de trair as leis da Natureza. Tendo as filhas como irmãs, nunca acendi o rebelde fogo de amor nelas. Verdade! A mais pura verdade.
Jamais me atrevi a piscar os olhos às meninas do senhor Garcia, o mestiço que nos deixou ao eterno além, ainda éramos miúdos mimados por adultos de chalés dos Casados, cujo cópia de sua simplicidade, paciência e amizade, era contagiante.
O meu pensamento de pêsames, nesta altura, vai para Jacinta, Natália, Francisca, Deolinda, Ivone e familiares pela perda à eternidade de nossa dona Fernanda.
Mãe! Descanse em Paz Eterna.
O teu filho,
José Maria Cardoso