Memorial
Edição literária
8 de Setembro de 2024

Flores d’Ellyzé à minha Mãe San Mosa
Mãe! No espírito remexem as especiais pétalas que você ofereceu, em setembro, para acalmar destruição à nossa auto-estima. Ainda virgens, partilhei ao mundo na abertura das páginas do livro “Ellyzé – Autópsia da Alma”, em memória à sua neta e em lembrança ao meu pai e, óbvio, em especial atenção à si, minha Mãe. Você disse: “A vida é uma escola de paciência! Deus, o nosso Senhor, dá vocês coração grande para vocês poderem carregar a cruz de Ellyzé”.
Oh Mãe! Assim e apesar da trapalhada do filho de duas Mães, Ambrósia e Bebiana, sem que o Estado pusesse fim ao processo de permitir aos seus filhos, em obediência ao código de convivência social, apenas uma delas, eu não cruzei os braços, a verter lágrimas da fonte. Iniciada a correria, em meados do ano passado, após alguma fadiga, a mente foi batizada pela Pena Real|Editorial, em Inglaterra e, a família com o sangue na ferida, superou obstáculo financeiro, difícil, mas cada coisa acontece ao seu tempo, setembro, outra vez setembro, se envolve na claridade à sua placenta.
Eu vou abrir o coração de “Ellyzé” – desde já pequenos excertos, um cheirinho – à Lisboa, no próximo sábado, 14 de setembro, a partir das 16h00, no Auditório da Biblioteca Orlando Ribeiro, no Lumiar (estrada de Telheiras). Todo mundo, desde o mais humilde aos de gala, catedráticos, médicos, padres e políticos, nome por nome da esquina que se solidarizou com a nossa dor de luto, e não só, está em cada página do livro para a mais singela recordação na prateleira e por gerações da humanidade.
O convite à Lisboa, para o próximo sábado, espera por todos no cerimonial de “Autópsia da Alma”.
Ellyzé

Mãe! Dizia a sua neta, a Ellyzé: «Os ingleses e o mundo questionam-me de que cor e de onde sou eu… Branca ou preta? A embaciar cinzentas e mágicas nuvens inglesas, respondia-lhes com orgulho, e para complicar mais as dúvidas, “eu sou da África! Das ilhas de São Tomé e Príncipe”.»
O detetive que contratamos deitou um sorriso familiar à “rumba” insular, para depois voltar à interessante salsa.
«- A ciência comportamental deteta o que a opinião pública e os agentes de autoridade, sem qualificação especializada, não são capazes de decifrar no ser humano. Por isso, há exagero ou algum descontrolo, quando um policial, ou investigador, no uso de força ou motivado por alguma carga discriminatória, tenta chegar ao criminoso, melhor suspeito; por vezes e muitas, por este mundo afora, sob torturas, tendo à disposição um inocente algemado.
Nada justifica arrancar, a ferro e fogo, o móbil do crime não cometido pelo prisioneiro.»
Estrada comprida
«- Tem bastante lógica o arranque da arquitetura e a economia das ilhas a partir do maior tesouro que é a sua diáspora.»
Não corri a dar ouvidos à Ellyzé. Eu estava precisamente na veste democrática, a concluir um prolongado passeio na página digital, intrometendo-me nas discussões absurdas, odiosas e perversas. Introduzia nariz em controvérsias dos impedidos de liberdade que vieram a beneficiar do luxuoso conforto que o Estado português haveria de pôr em marcha.
Uma “amiga” mascarada e enfurecida, com quem me cruzei no trajeto virtual, no uso do direito, barafustou-se e por incompreensão, ameaçou-me com as mãos na cara. Eu esforçava-me, em defesa da minha tese, pondo a hipótese de um filho seu, em contexto prisional, vir a beneficiar do humanismo da lei portuguesa permitir a privacidade sexual de casais na cadeia.
Era um expediente contrário aos gritos sofridos de mães africanas, madrugadoras em limpeza de escritórios, de lés a lés lisboetas, humilhadas e sentenciadas nas portas de prisões portuguesas, não obstante o decénio dos afrodescendentes, 2014/2024.
Um outro mascarado na mesma avenida virtual, apesar da foto e identificação pessoal, sempre de pedras nas mãos, arremessando discussão, trocou-me por quem lhe apeteceu e, também, não dispensou a desnecessária ameaça pela simples razão: negação em seguir, às cegas, o utópico rumo por ele imposto para São Tomé e Príncipe.
O confronto de ideias, não só funciona na mais-valia da democracia e no óbvio enriquecimento do debate público, como também, abre horizontes preciosos na busca de solução aos desafios constantes e diferenciados de qualquer país.
Dando voltas às ousadias públicas, ninguém precisa de fita para medir ameaças ao direito de opinião, no qual o cidadão da liberdade fora sentenciado. Não imagino o estilo de mensagem que os dois amigos virtuais plantaram na tragédia avassaladora de personalidade do pai, escassas horas após a palestra de sexta-feira, 1º de setembro.
«O homem não chora!»
Factos nas provas
«- Compreendo a lógica, mas evite de trazer o Ocidente à rotina»
Um somatório sem fim de boas intenções. Destruição de fonte de calorias e proteínas dos são-tomenses; pesca não regulada, não vigiada e não transparente; pesca industrial insustentável e esgotamento dos recursos do mar. Sobra a pesca rudimentar de auto sustento aos pescadores são-tomenses.
Imbróglio demais para Espanha está a pagar, há décadas, apenas novecentos mil euros por ano, a São Tomé e Príncipe. Nem duzentos milhões de euros por ano, saldaria o contrassenso espanhol à prosperidade das ilhas. Quanto é que os são-tomenses ganharam pelo desequilíbrio marinho? Os pescadores, em frágeis canoas, já se arriscam para lá da costa, em busca de sobrevivência familiar e sustento da economia nacional com proteínas e calorias.
Pesca de aresto, é responsável pela extinção de espécies, destruição de fundo marinho, ecossistema e, em consequência, morte da vida marinha. Não só! Já há estudos que relacionam o aquecimento global com a pesca de aresto. Fundo dos oceanos absorve mais carbono que toda a floresta mundial. O ciclo de reprodução da vida marinha, está sendo abalado pelo aresto, influenciado o aquecimento acelerado do mar e da terra. O aumento de frequência da seca para o Sul e para o Norte, vai retirando água do céu e estendendo o calor que remove vida à pequena e linda natureza do meio do mundo, São Tomé e Príncipe.
«- É ridículo como o meu pai insiste em apontar o dedo indicador ao Ocidente. O que acha de dirigentes africanos a assistirem tudo isso, num silêncio constrangedor?»
Saco fantasma
«- Quando é que a caravana familiar programa férias em Ameixoeira, enquanto não visitarmos São Tomé e Príncipe, para os meus pais, juízes de Nazaré, na Quinta de Mocho, tirarem um pé de “rumba” e abraçarmos por lá, a nossa Trindade?»
Na altura, como quem tivesse pela frente todo tempo do mundo, mal dei à primogénita o gozo de felicidade.
A finalista de London Metropolitan University, trabalhadora, solidária, charmosa e, vigiada pelo exército digital, foi despachada no saco preto à morgue no Northern District de Londres. Nem se lua, de fadiga, atraiçoasse a noite de claridade para mitigar os encontros com os fantasmas, os pais jamais anteciparam o cruel cenário britânico.
A supervisora de expediente noturno concedeu um número de telefone para fins de assistência familiar. A partir de terça-feira seguinte, já disponibilizaria novidade científica sobre o teste preliminar do laboratório médico-legal para dissipar dúvida paternal do eventual assassino à solta e, no concreto, confiar aos familiares, o atestado de óbito para as diligências fúnebres.
No quintal de morte são-tomense, há relatos a ponto de incomodar defuntos; um deles foi o suicídio por overdose ou não, gravado nas ilhas no perverso rumo de Amorim de Uba Budo - o notável proprietário e justiceiro da roça colonial portuguesa de Uba Budo, que se tornou lendário, na linguagem popular. Cinco anos passados do Massacre de Batepá, decorria o ano de 1958, envergonhado por ter que se vergar à decisão judicial recaída sobre si, a voz sonante do poder empresarial de São Tomé e Príncipe, acabou por pôr um ponto final à sua única e abastada vida.
«Estupro seguido de asfixia ou morte matada por especialista de crime hediondo?»
Ellyzé, ao certo, não teria noção de existência da bomba-relógio atada à vida para deixar linhas tão tortas aos expedientes dos pais estáticos na estrada-cruz.
Autópsia da Alma
«- Zé Maria, nossa Ellyzé. Não sei como transmitir tamanha tragédia de Londres. Ellyzé morreu!»
Uma nuvem cinzenta cobriu-me por completo a mente. Amargos, sagazes e drásticos, pouco a pouco, os goles da informação, furando a mudez da sala, foram de tempero alcoólico, trepando a cabeça despertada do sono da meia-noite. A luz ofuscada pela violenta malvadez transtornava a necessária interiorização da realidade objetiva.
«Quando? Onde? A que horas? Como? Acidente? Homicídio? Houve lesão craniana, torácica ou de todo o corpo?».
«- Recentemente, veio-me à mente o artigo “G-20 de Cannes – As Grandes Economias e a Riqueza de África” que o senhor publicou em 2011. Havemos de desenvolver o tema.»
Parecendo prestativa para despistar a desajeitada mas poderosa notícia, Ellyzé, ao seu jeito mansinho, permaneceu presente na ausência, tentando desviar o luto da alma.
«- Mais um dos cosméticos sazonais à África!»
Joguei na auto-defesa. Habituada à inatividade de outono a primavera, de modo a permitir que os hotéis de vulto entrassem em obras, a cimeira dos poderosos de G-20, mais a União Europeia, em vez de maio, acontecia em novembro para discutir a economia e pousar, em família, com a estreia africana. Cannes, na presença de África do Sul, abriu as garrafas de champanhe para comemorar, à grande e à francesa, o assassinato do Qadhafi e, da própria África.
De asfixia ao tombo brusco da alma, passei-me a recluso de consternação intensiva, desapreciando a onda de incredulidade em guerra com o choro silencioso, em navegação tumultuosa no trágico luto. O traumatismo no coração, provocado pelo choque de magnitude elevada, deixava-me sentir a larva a derreter-se no corpo imóvel, envolvido na sensação de fracasso e impotência. Resistia em acreditar na perda da primogénita acabada de inaugurar, na última gravana, o novo patamar etário; 26 anos de idade.
A Betinha na noite anterior, inocente e intrigada no coração de mãe, pressentiu ritmos à viola africana.
«- Hum! Você entende esse silêncio da nossa filha? Em todos esses anos de casados, ainda não consigo entender o seu afeto especial de pai aos filhos.»
Viagem escura
«- É para isso que você fica encarcerado? A morte não deve ser esquecida na vida; mas, se sabe que não resiste a lágrimas, deixa de inundar a casa com o som da tua filha!»
Perdi a perceção do tempo; em momento nenhum me havia dado por conta do significado da data no histórico das ilhas, o dia da despedida final londrina. Mães, mulheres, esposas e, especialmente, vendedoras da capital exigiram ao mais alto responsável do Estado, na então província portuguesa, o governador Cecílio Gonçalves, a imediata e incontestável soberania territorial.
« - Não meu meu marido! Não! Foi Pires Veloso, o Alto Comissário, substituto do governador, o representante das novas autoridades portuguesas que, no dia 19 de setembro de 1974, as mulheres reivindicaram a independência de São Tomé e Príncipe.»
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O seu filho,
José Maria Cardoso