Jornal FUGIFALA

Edição Pascal

Domingo, 13 de Abril de 2025

Fatura de África à minha Mãe San Mosa

Mãe! “Káká ô! Vlégonha muito!” Ainda que não quisesse levar a sério a brincadeira de palavras, uma declaração oficial, urgente, é de obrigatoriedade à minha amiga Ney Daio, pela oportuna ousadia no auditório de Lumiar, trajada de um especial e afetivo abraço desde Trindade a “cobô d’áwua” (no estrangeiro) naquela singular tarde de sábado de rumba, 14 de Setembro do ano passado. No consumo doméstico, diz-se, «ter muitas mulheres, dá nisso!».

Oh Mãe! Há mais. No dia 30 de maio, vai ter a apresentação de Autópsia da Alma à lusofonia, na FNAC - Vasco da Gama.
Mas, chêi! O Alcino, a Sónia, o Amarildo, a Vanda e a Ney, são os herdeiros de uma das barracas, salvo a nº 3, que nos fizeram homens e mulheres, filhos do Parque Popular da Trindade, a obra construída pelo voluntarismo da Iª República e destruída no faz-de-contas da IIª. Como foi possível trocar o nome de uma das filhas da dona Alice, a sua “kotabéga” Ney, pelo da Vanda!? Isso tem explicação!? En!

Fica feita a reparação e, óbvio, os pedidos de desculpas à Ney, quem em tempo, não muito distante, me abriu as portas de casa lisboeta, numa tarde de sábado, para o último abraço embrulhado nas saudades trocadas com a nossa Alice - uma das humildes estrelas da Trindade com o assento numa das páginas do livro Ellyzé - Autópsia da Alma -, quando ela andou por Lisboa.

Ney Daio
Ney Daio

Mãe! Os procedimentos processuais para que o Estado decida quem é minha Mãe, Ambrósia ou Bebiana, vou enviando papeis com tópicos de provas de eu ter nascido, crescido, servido profissionalmente e voluntariado ao país e, claro, conhecido a primeira namorada e tornado pai, em São Tomé e Príncipe.
Ainda assim, e apesar do leve-leve e desnorte administrativo, haverá algum país da lusofonia, ou talvez, indo nas voltas mais longínquas, algum estado democrático do mundo que não queira retirar os ensinamentos preciosos da democracia com os são-tomenses?

São Santos
São Santos

Oh Mãe! Aqui não se fala de política, mas dá ao César, o que é a pertença. Os meus amigos da Trindade, já pode ser oficial décadas da nossa amizade, anos recentes volvidos em banho-maria, a Celmira Sacramento, presidente da Assembleia Nacional, o Abnilde d’Oliveira, vice-presidente, o José António, líder parlamentar e o Alexandre Guadalupe, porta-voz partidário -, o ar que agora respiram da liberdade, remove represálias desnecessárias aos adversários políticos – as digníssimas individualidades apanhadas na boleia das circunstâncias, sem base política e, representando ADI de Mé-Zóchi, no parlamento, finalmente, e para o bem da democracia, deixaram cair a política de dentes por dentes, ódio e de inimigos, abrindo a linha de diálogo, contraditório e debate das grandes opções de desenvolvimento com os da oposição, a ponto do MLSTP viabilizar o programa do XIX Governo e as Grandes Opções Políticas. Foi mais longe na lição democrática, apesar da mudez do seu presidente, algures, sem microfone para a cadeira do próximo 1º ministro.
O maior partido da oposição, algo impensável no mundo, aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2025, prometendo fiscalizar a realização e o cumprimento da agenda do poder no parlamento. Palmas na Santa Semana, com direito ao cheirinho de champanhe!
Quem escreve tem olho-leve e premedita o país a inaugurar uma espécie de IIIª República, a partir de 6 de janeiro passado. Só pode ser!
Mãe! Muitos clandestinos, de fato e gravata, com fôlego engasgado, saíram de grutas e tornaram oficiais as suas reflexões e opiniões concernentes ao país e festejam a liberdade conseguida com a queda do XVIII Governo. Conduzindo em contramão, a União Africana, de “olho-vilô”, isto é, olho contra-governo, numa clara afronta à democracia, harmonia e paz entre os são-tomenses, promove o líder de comando remoto, numa missão continental com um ex-presidente africano em vergonhosa submissão, na clara solidariedade a ADI que não avança para o Congresso de esclarecimento, afinal, quem manda no partido.

Mãe! «Coisa muito, en!» Enquanto o país ensaia novas realidades na sua inserção no contexto global e, óbvio, na expectativa do 1º ministro esclarecer se “mamou” dos cofres públicos, da penúria dos são-tomenses e da destruição física e psíquica de Lucas, o sobrevivente de assassina madrugada castrense, sentenciado pela injustiça do XVIII Governo, os quatrocentos mil euros lhe ofertados pelo seu antecessor, assim como o julgamento no tribunal comum, o crime de assassinatos de vidas humanas pelas chefias militares, no dia 25 de novembro de 2022, o mundo anda de cabeça às voltas.
O presidente Trump com a colaboração do multimilionário, Elon Musk e uns tantos outros (agora em pânico), num exacerbado protecionismo e receio americano contra a China, a segunda economia mundial, retirou as máscaras e declarou guerra à globalização, isto é, a 180 países, deixando a Europa, o seu tradicional parceiro, a coçar piolho na cabeça e barba, porque nunca fez investimento a sério em África.
Oh Mãe! Para ser oportuno nos postais de agradecimentos a todos quantos presenciaram a estreante tarde literária daquele sábado lisboeta, abro a página nº 86 de Ellyzé – Autópsia da Alma.
Desde já, um novo convite aos leitores amantes do prazer e da viagem de leitura.
No dia 30 de maio próximo, sexta-feira, pelas 18h00, dentro de pouco mais de um mês, a FNAC, em Lisboa, vai ser o palco de apresentação de Ellyzé - Autópsia da Alma à lusofonia, na sua magnífica livraria de Vasco da Gama com todas as linhas de transportes urbanos de Lisboa a desembocarem nesse fantástico centro comercial.

Ellyzé – Autópsia da Alma
Ellyzé – Autópsia da Alma

Fatura de África

« - Meio século não é suficiente para limpar os efeitos pejorativos que sugaram a mente do continente; mas, convenhamos, meu pai!
Apesar da insistência da Ellyzé em se fazer presente nas memórias, eu não lhe entreguei, de bandeja, a coordenação do meu pensamento. Baixei os ouvidos limpos para escutar algo com substância que pudesse tornar convincente o discurso da oradora. - Já são mais de duas gerações que assistem o sopro da independência, sem sequer colher o fruto de uma sociedade minimamente justa. A agenda de 1963, a criação da OUA, por 32 Estados, não se reduz apenas à substituição de a de 2002 pela União Africana. Meu pai, o africano precisa ir mais longe; há que mudar o paradigma; com exceção de um povo, todo resto emigra para criar riqueza através de oportunidade; o Europeu, o Americano e o Asiático, são exemplos nítidos. O Africano emigra para sair da pobreza, através do consumo exacerbado. A ilusão.
Não permiti que ela apagasse palavras da minha boca.

Jy Costa Neto
Jy Costa Neto

- A fila para retirar melhor proveito das oportunidades é extensa. Fomos atirados lá para o fim. Mas há que ter crença na boa vontade de Deus.
Escutei uma gargalhada feminina a furar as ondas magnéticas como se fosse um comediante no pai. Não era inédito os filhos me conotarem de artista – um palhaço a perder dinheiro pela ausência no palco.
- Nas anotações espalhadas nos folhetos, a desarrumar a sala da minha mãe, continua registado, que em termos gerais, África não tem dívidas com os países desenvolvidos? Não é bem assim!
- Vejamos a nossa odisseia… - fui oportuno ao ataque e evitei que a filha esticasse demais a corda -, as ricas ilhas são acusadas nos expedientes internacionais de serem mendigas e de terem permanentemente mãos esticadas; mas, caso vendessem o nosso pescado a preço justo à União Europeia, Rússia, China ou ao Japão, o petróleo só haveria de ser, um dia, apenas o acréscimo ao progresso. A pesca controlada poderia ser uma aposta até assertiva ao nosso desenvolvimento.
- Você está sendo ingénuo, exagerado e mal-agradecido perante a realidade dos números. O país não produz nada, ou melhor, apenas cerca de 10% do PIB.
Graças à ajuda da comunidade internacional ao Orçamento Geral de Estado e em todo resto para que o país se mantenha de pé.

- Há evidências contrárias; em certas épocas, o atum do mar atlântico chega a custar vinte euros o quilo nas grandes superfícies europeias. Há muito que a bolsa deixou de me oferecer atum cozido com legume, com aquele cheirinho de azeite-doce e limão à medida da cozinha são-tomense que o patronato da vossa mãe, resignado, levava à boca, aos goles de colherada, chegando a limpar o prazeroso prato com pão. Sabe quanto a União Europeia paga por cada tonelada de atum pescado sem vigia e controlo da África? Pode pescar milhões de toneladas e apresentar apenas dezenas aos otários.
- Isso que se propala aí, que a União Europeia paga uma nota de vinte euros por cada tonelada de atum de São Tomé e Príncipe, não é nem de loucos. Num cenário hipotético, acredito que a outra parte é revertida nas ajudas ao desenvolvimento. Vinte euros por cada tonelada de peixe!?
- Ninguém dá nada grátis à África. Convive-se com as falsas promessas, da qual, não compreendo o consentimento afável de cidadãos e dirigentes africanos, sem terem sequer subsídio à pesca nem agricultura, quer faça enxurrada, quer o sol queime os pés descalços.
- O mal é que nenhum governante esclarece os rumores. Preciso de uma fonte oficial para provar nas minhas aulas com os mestres ingleses.

Vitória Alcântara e manas, dona Odete e Geny
Vitória Alcântara e manas, dona Odete e Geny

- Um somatório sem fim de boas intenções. Destruição de fontes de calorias e proteínas dos são-tomenses: pesca não regulada, não vigiada e não transparente; pesca industrial insustentável e esgotamento dos recursos do mar. Sobra a pesca rudimentar de auto sustento aos pescadores são-tomenses.

Imbróglio demais para Espanha estar a pagar, há décadas, apenas novecentos mil euros por ano, a São Tomé e Príncipe. Nem dez milhões de euros por ano, saldaria o contrassenso espanhol à prosperidade das ilhas. Eu, em meados dos anos oitenta… a olho nu, bastava anoitecer, registávamos mais de dezena de navios pesqueiros ameaçando o ilhéu das Rolas, esvaziando por arrastão, a nossa riqueza para o mercado internacional.

Luisélio Pinto
Luisélio Pinto

Quanto é que os são-tomenses ganharam com o desequilíbrio marinho. Na altura, os pescadores, em frágeis canoas, já se arriscavam para lá da costa, em busca de sobrevivência alimentar e sustento da economia nacional com proteínas e calorias.
Pesca de arrasto, é responsável pela extinção de espécies, destruição do fundo marinho, ecossistema e, em consequência, morte da vinha marinha.
Não só. Já há estudos que relacionam o aquecimento global com a pesca em arrasto. Fundo dos oceanos, absorve mais carbono que toda a floresta mundial.
O ciclo de reprodução da vida marinha, está sendo abalado pelo arrasto, influenciando o aquecimento acelerado do mar e da terra. A Humanidade atada à produção e ao consumo, na indústria de poluição da terra, ar e mar, suportados pela água marinha, devora sem dó a Gronelândia e a Antártida, derretendo pela água abaixo o gelo de desfazer-se o espírito da madrugada.

Suspirei e dei continuidade à palestra.

Lídia Pires
Lídia Pires

- O aumento de seca para o Sul e para o Norte, vai retirando água do céu e estendendo o calor que remove vida à pequena e linda natureza ao meio do mundo.»
In Ellyzé – Autópsia da Alma

Mãe! Neste fim de semana, senti as lágrimas dos são-tomenses unidas ao redor de Edna Ferreira, quem não conheci, mas pelas centenas de testemunhos, foi alguém que marcou cadeira profissional e humanitária de qualidade ímpar, uma mãe que ontem, em Lisboa, a morte levou deixando órfão, o filho. O meu pensamento vai carregado de condolências à família e aos familiares da malograda, intimada aos céus, cedo demais.
Aos leitores, após mais de um mês, nos tempos da meninice, sem a carne no prato, nem um pé no “fundão di sô Gido”, dentre outros espaços dançarinos da vila, para o Plakyny exibir das suas acrobacias à GNR,
Uma Santa Semana e Feliz Festa de Páscoa com uma linha da cantiga “Liguidá - (Remix) Os cotas” no coração!
Do seu filho,
José Maria Cardoso