Jornal FUGIFALA
Edição Especial
Domingo, 11 de Maio de 2025

«Lava mão do cemitério» londrino à minha Mãe San Mosa
Mãe! O Papa Francisco, o conquistador dos corações da Humanidade, quem abriu a igreja a todos, sem excluir alguns, despediu-se da multidão na Praça de São Pedro, no Santo Domingo de Páscoa e, na manhã seguinte, o Vaticano, logo pela manhã, espalhou a triste notícia da sua partida à Eternidade. Ele deixou um sentimento especial de lágrimas e crença divina.
A questão. Quem será o chefe do Estado do Vaticano e líder espiritual da fé em Deus que lhe segue na expansão do amor ao próximo? Depois da Argentina, no sul americano, é desta, a vez da África, dando os sinais evidentes que a porta aberta pelo Papa Francisco, não terá como fechar pelos seus sucessores?

Oh Mãe! Nas ilhas, Abril varreu tudo pela frente, árvores, tetos de prédios, cubatas e até a cobertura do novo salão de missa dominical, na santa igreja da Trindade; várias famílias sem teto; Mé-Zóchi, o nosso distrito, sem eletricidade, sem a Net. A boa-nova, o temporal com relâmpagos e rajadas de vento, apesar de avultados prejuízos financeiros, poupou vidas humanas.
As alterações climáticas e mãos criminosas humanas, estas que, sem piedade, derrubam as árvores para a subsistência familiar, na verdade, devem ser responsabilizadas pela violência natural que agora varre com mais intensidade as zonas urbanas, sem que os governos arquitetem o país.
O Estado, a padecer da outra tempestade, a política de Janeiro, ficou de pé, alimentando cada dia e muito mais a minha fé na resolução processual do filho de duas mães, Bebiana e Ambrósia.

Mãe! Nesta edição, partilho alguns abraços afetivos de Londres às nossas lágrimas com fotografias presentes no livro, - a ser apresentado à lusofonia, relembro, no próximo dia 30, sexta-feira, pelas 18h00, na FNAC Vasco da Gama, em Lisboa, - abro a página 184 de Ellyzé – Autópsia da Alma. Fiz questão daqueles abraços eternizarem-se através desta obra literária com os respetivos nomes como outros, de cidadãos humildes e os músicos que enganaram nossas lágrimas entre as páginas de choro.
Às caras de Londres espalhadas pelas asas de Ellyzé – Autópsia da Alma, o livro, já à venda na FNAC e que percorre o mundo, - recebi feedback de Suíça, Inglaterra, Portugal, Angola e Brasil, - insisto aqui nos agradecimentos, pelo facto de não deixarem os pais da estudante da universidade londrina, a jovem de 26 anos, se sentirem largados no mar da profunda dor de luto londrino.
«Lava mão de cemitério londrino no caderno de finta»
« - Pobre não morre sem vela!

Traduzi o gesto dos lábios da Betinha. Obstinados, curvámos à presença do casal de canadiana, Ângela e Arnaldo Pontes, vigiados por uma amiga, Edite Torres e Silva, que não lhes soltava por um minuto. O rapaz da Jota apanhou-me completamente desprevenido. Ao público tristonho, surpreendeu-me com uma linha de África Unida – o agrupamento musical de Cruzeiro, onde o senhor Bragança fora pescar a voz de Álvaro Lima, o Gapa, para fazer concorrência ao agrupamento musical África Negra… o Arnaldo molhou-me a mão direita com libras pela perda da defunta – a tradicional finta.

Nayde Afonso e Esmeralda, a Nina, transportando Trindade às costas. Nira Gaspar… quem as lágrimas pesarosas não permitiram identificação pela mãe da defunta. Dignaram-se a afagar as lágrimas dos pais infortunados, a Zuleika; Ana Maria, a esposa de Nelson Rita, o “Barbeiro Galinha” e mais um artista do salão de beleza londrina, IS 5 STARS BARBERS, que guarda o último vídeo da jovem de gargalhada contagiante ao corte de cabelo. Josefa de Madalena e a sobrinha Cleo. A Patrícia, quem não submeti ao questionário sobre o amor proibido que perseguia a Ellyzé; Arlindo e Mónica, não cometo gaffe, acompanharam-nos a lavar as mãos do cemitério no “hotel” da Vilma.
A Ameixoeira em gala para presenciar o cadáver da mulata da Trindade, divorciada de Lisboa e, recentemente, casada com Londres, chorou a eterna partida da filha e abraçou-nos com afinco no cerimonial. Xandy dos Reis de Água Bobô; Carina e Helena, são-tomense e angolana de Ameixoeira, vincaram com presença estimável no último adeus à inesquecível amiga; Nicha e Magui, carregando a família Espírito Santo, não largaram a prima Betinha na solidão chorosa; uma estranha africana, quem, em passos de estafeta, apresentou-se à mãe da defunta; outra senhora, apenas prisioneira ao apelido, D’Alva Teixeira, pescada nas redes sociais; uma senhora mais velha que leu o sofrimento na última morada, abraçou-nos em forte consternação.

O angolano Chiquinho Bamba… vestido à rispidez; também uma senhora de meia idade que apertou fundo o choro da Betinha; e igualmente uns jovens dos quais o tempo não permitiu a identificação. Fernando da Mata; o senhor Tiny; Xandy Conceição e a cunhada, Clementina da Mata.
Os amigos da crença religiosa da Vilma, de nó às respetivas esposas; o pasto Marcos e a esposa, Débora, os brasileiros; os guineenses Evaristo e a esposa Jacira; Micádio e a esposa angolana, a Vanda; Micas que, no sábado anterior, nos havia transportado quase meia hora na marcha lenta, a fugir o trânsito do aeroporto de Gatwick ao hotel fúnebre. Regianne, a brasileira, acompanhou-nos à residência, onde lavou as mãos de cinzas da Elyzé; Erika, a boliviana e Flávio, o marido brasileiro, na companhia dos filhos.

Os dois docentes da alta delegação universitária inglesa, fizeram questão de não enviar apenas o postal condoído à família; quiseram resignar-se ao kidalê, apresentando condolências sinfónicas aos pais; duas jovens portuguesas, descortinadas, obrigatoriamente, no postal de condolências – que se apresentaram como colegas da universidade, com os olhos brilhantes de lágrimas, não gravei a graça quando nos abraçaram no cemitério.
Uns ingleses, árabes, mestiços e negros – talvez pela amizade que ela me havia confidenciado -, crentes no, ainda possível, exercício de solidariedade de cidadãos do mundo. Fizeram questão de apresentar, presencialmente, sem medo de fantasmas do City Of London Cemetery & Crematorium, o laço da humanidade.
Bati palmas espirituais à surpresa de última hora. O Honório Lavres simbolizava a mais antiga aliança familiar da cidade da Trindade com a ilha de Príncipe… contou os pés ao nosso aconchego, repreendeu a mãe da defunta que não resvalasse um só pingo de lágrima sobre o caixão da filha; seria fatalidade, sob pena de qualquer infrator da regra “embarcar” de seguida. «Os pais são proibidos de dar a cara ao corpo fúnebre dos filhos». Compreensível essa psicologia de vida, porém, um desafio difícil.

Acompanharam ao hotel, o imperativo de lavar as mãos do cemitério inglês, anónimos e conhecidos dos pais, tios, amizades das amizades da Elly. O Alain e a esposa, Solange, foram longe demais no atrevimento da dor.
Luís e Íris, de fato e gravata, de panela às costas, na companhia da filha Eloise, o casal reviveu e revelou-nos, por noites, a relação íntima que tinham com a Ellyzé, desde o raiar da enigmática criatura na casa Morais, em frente ao Bó d’J́aú da dona Guilhermina. A famosa discoteca, Club 35, na altura, ainda não carregava a juventude da capital à Trindade.
Compareceram também na residência, a Carina, a Zefa e a Cleo. As meninas “Mata” de Batepá, respetivamente, Deolinda, Fernanda e Jacinta, transportadas pelo casal Xandy e Fernando. Já o Gama, Simplício – o filho do senhor Rangel, o velho, em tempos, mais alegre da Trindade e antigo alfaiate da mítica camisa de onze varas – carregou ao hotel, a irmã Belmira e Sidimira, a sobrinha, que para descongelar a melancolia da amiga e colega universitária, de quem roguei as mãos em casamento para com o Kleyv. No proveito da tecnologia digital, ele providenciou o telemóvel para que pudéssemos receber, desde São Tomé, voz de pêsames de Dionísio Sousa.

Talvez a amizade fosse disco saturante no tempo que, ano em ano, semanas, dia após dia, como neve indefesa, se deixa derreter pelo calor primaveril. Não descoro, em mínima estância e dedicatórias, registámos a presença das cúmplices angolanas londrinas da Ellyzé, as angolanas Hélia, Teresa e Cristina. Sem que a Betinha nos surpreendesse, eu não tive receio de encostá-las à parede de rumba. Em uníssono, acalmaram-me, certificando que não haveriam de adiar o abraço de pêsames aos desconhecidos pais da defunta, por simples kizomba…de «Maiá Muê» e demais melodias do nosso conjunto musical são-tomense, África Negra, de timbre exótico, desposadas com o malabarismo cativante de João Seria no palco.
Uma alta delegação, em missão de bons ofícios, perdeu-se no rumo de Liverpool a Londres. Não chegou a tempo das exéquias no City Of London Cemetery & Crematorium; Lita Lavres, o marido Belito e Suzy, a filha, compareceram com Xandy Lavres para expurgarem amargas lágrimas. A Vanda Santa Rosa fez toda a diferença, representando Chácara – o bairro à estrada da capital para Trindade.
A família, sem contar dois meses, foi abalada pelo trágico anúncio de meia-noite; viajou a Londres, certificou o corpo do cadáver, deu-lhe funeral e com as cinzas humanas, regressou a França.

«Dor e luto, meu filho, são como caneca. Passa de mãos em mãos, a medir os corações, sem refinar estrato social ou idade». A tia Fátima, esposa do Jorge Mendonça, acalentou as lágrimas indefesas no lamaçal encharcado de um pai. O testemunho guineense é similar à merenda são-tomense: «tragédia é lenço, quem não traz sobre a cabeça, transporta-o no bolso». Helena, a outra guineense, trouxe consigo a Eveline, a colega cabo-verdiana, das corridas dos hotéis de Cannes que com um gesto financeiro de «samba da emigração» de Bedinte, escreveram nomes com lágrimas no velório de Blackiére. Duas cabo-verdianas, a Eva e a Atanásia, filhos, irmãos e sobrinhos.
- Eu, muitas vezes, chego a ficar embaraçada devido ao nosso tamanho em França e em Inglaterra. Nós que andamos pelo estrangeiro e, muito em breve, seremos convocados a assumir as rédeas do país dos nossos pais, temos a imensa tarefa de mostrar ao mundo as nossas ilhas. Meu pai tem de apoiar as minhas irmãs a inventar Kuá Tela francesa.
Em cada esquina, lá estava sempre a Ellyzé.
A M’Ziza largou a família em Saint-Etiénne, surpreendendo Grasse na tarde fatídica. Ela, a Vilma, o Amâncio e o Pascoal não imaginam que estão inscritos num livro aberto numa das prateleiras de ouro da nossa memória.»
In Ellyzé – Autópsia da Alma

Mãe! Pelas páginas do livro da sua neta, apesar de ainda não ter forças de abrir o anúncio nas redes sociais, estão mil e um nomes com os afetivos abraços que deram o necessário empurrão de ouro para que os pais renascessem das cinzas da Ellyzé. Daí, não restar à obra, Autópsia da Alma, além de agradecimentos, a oportuna exposição de fotografias das presenças londrinas, naquele adeus eterno da sua neta.
Do seu filho,
José Maria Cardoso