DIA D – 14 DE SETEMBRO
Edição exclusiva
Domingo, 8 de Dezembro de 2024

Natal à minha Mãe San Mosa
Mãe! Natal, não é todos os dias. Não! Não é, não! O mês de dezembro que abre as portas com o inesquecível dia do seu nascimento, lá nas décadas iniciais do século XX, e entre as pernas da avó San Tilha, oferece à sociedade cristã, o que de mais tranquilizante ainda brilha consciências e mentes. As armas em guerras, seja lá onde soam e matam, são silenciadas pelo nascimento do Menino de Belém.
Oh Mãe! Sou forçado a um compasso de ritmo na controvérsia do filho de duas Mães, Bebiana e Ambrósia, Mosa e Animosa, ou talvez, quem sabe nenhuma delas, para tudo ficar leve e festivo no coração de Natal.
Nisto, um dia - há algum tempo que penso nisto, tudo acorda da imaginação e agora, mais que nunca - haverei de erguer com Dom João, o nosso primeiro Bispo, o presépio do Salvador, bem arquitetado, ali em Belém de São Tomé e Príncipe.
Ninguém ficaria indiferente, perante a ousadia na reflexão da Luz Divina, num Santo Domingo de dezembro para não atrapalhar a tradicional missa de Natal nas paróquias, e por lá, realizar a grande assembleia eucarística testemunhada pelo mais impressionante e tradicional paço de Belém.
Família no Natal

Mãe! Natal que se dissemina em grande pela quadra festiva, deveria purificar os corações da Humanidade para que o espírito natalício constitua mesmo, o dia a dia da Família, apesar de cá em casa, o pesadelo do vazio da parentalidade que resiste às intensas lágrimas, permanentes nos olhos de perda, permanecer presente na dolorosa ausência e saudade da sua neta, a Ellyzé, que por prematura lei contra ordem da Natureza, deve estar a cuidar dos avôs, junto de Deus, lá no Céu.
Fico com a sensação de que alguns pais de coração pequeno, que esbanjam o ano todo em banquetes, não sentem o sacrifício mental da criança, testemunha de Natal das salas de aulas, da felicidade de colegas, das luzes coloridas pelos cantos, de mil pinheiros iluminados, do subir e descer dos bolsos no mês mais comercial do ano. A prenda e o cheiro de dezembro, por mais singelos, fazem toda a diferença ao sorriso de uma criança ou adolescente que não deveria ser discriminado pelos caprichos dos pais, pior, das mães, e muito em especial, cristãs na língua e na prática romana.
Oh Mãe! Neste seu mês, não era de todo consensual fechar o ano, sem o mágico perfume da Ellyzé – sinto o cheiro - que no passado mês de setembro, em Lisboa, abriu o coração à Autópsia da Alma para que a Ceia do Salvador, continue a alimentar os espíritos como aquando gaiatos, lá na Trindade, a felicidade nas portas dos quintais da Baixa, fazia toda a diferença ao Paço do nascimento de Jesus Cristo, o primogénito do Senhor, descido à terra para sacrificar a vida no intuito milagroso de salvar os homens do pecado continuamente praticado.
Mãe! No papel de lápis escrito ao memorial, eis um pouco do cheiro – tão natural, simples e suave - inspirado pela sua neta, a Ellyzé, arrancado de uma das páginas da Autópsia da Alma, realizada no auditório Orlando Ribeiro, no Lumiar, nas terras lusas, quando os dias friorentos, diferentes, ainda não rachavam os dentes do imaginário longínquo de São Tomé e Príncipe na Europa.
Aurora anestesiada

“Recuei velozmente no tempo, à figura do menino Jesus. Afinal, Deus e o próximo, sempre constituíram pedra basilar do sino da igreja, a triangular com os corações dos crentes dominicais. O Paço fia glêza, uma mística insular, deveras romantizado pela saudosa poetisa Alda do Espírito Santo, pincelava a terra avermelhada da Baixa. Pretendia que o Menino Jesus, o Salvador, interviesse na devolução da filha com vida ao solo britânico.
Certa vez, lá na Baixa, com os astros alinhados na aliança do amor, na ausência dos pinheiros postiços que simbolizam a quadra, a jovem de Obolongo, a Betinha, obrigou o parceiro a descer ao cemitério ou subir à igreja para depenar um ramo de desfilar encanto à filha na longa noite do ano. O presépio, debaixo do pinheiro, assentava bem-feito no canto da sala da Trindade, junto aos embrulhos do menino Jesus, a copiar os reis magos, para as lâmpadas de papel a cores, colorirem a quadra natalícia.
Na esquina, as ilhas rubricavam alegria, desde os meados do mês, na travessia pelo feriado do dia de São Tomé Poderoso – 21 de dezembro, por este ser o dia do achamento da ilha, em 1470, e igualmente, corresponder ao dia do padroeiro Santo Tomé, no calendário litúrgico romano. Cinco séculos depois, com a chegada do governo de transição, em 1974, os nacionalistas e africanistas, inspirados pelo camarada Ohnet, na lendária camisa africana, sofisticaram o júbilo, outorgando um cunho político ao dia.
O piso da Casa Divina tinha de ser de musgo verde sobre o avermelhado do chão para suster os pés dos peregrinos do presépio. Era Ele, o Senhor da crença espiritual e riqueza moral, a pincelar as delícias na tela da quadra natalícia, em sintonia com as missas dominicais e as aulas de moral e religião ministradas na primária pelo padre Fonseca.
Na vila, ainda não existia o São Nicolau nascido na Turquia, nem as pegadas das renas vindas da Finlândia, trazendo o pai natal cheio de presentes, dando vida ao comércio, colorindo ruas e casas.
Nos envelopes ao Menino Jesus amontoavam-se os desejos, sem que os padrinhos nos cativassem com bolas e bonecas. Sem espaço para pressão psicológica, não havia classes entre pretos, dávamos voltas aos papagaios, nas bolas de pinho e frutas. Elas eram costureiras de bonecas de palha e restos de tecidos. Os postais da livraria dos padres inspiravam os sonhos juvenis na conquista dos corações femininos, que tudo faziam para marcar presença na Missa do Galo.
A ceia existia apenas nas homilias. Ricos pratos da rua Baixa, dos sacrifícios do dia a dia das guerreiras, obrigados a transbordar para matar a fome, não tinham nada que lhes acrescentasse à Consoada, senão a partilha de alegria, sonhos e amor. A construção do paço – o presépio com todos os figurantes de proa natalícia, fabricados de barro vermelho - mobilizava a energia das crianças, adolescentes e jovens, e até dos adultos, a arrumar, por dias consecutivos, entradas nos quintais, sem qualquer imposição institucional.
- Maria, a mãe de Jesus, e José, o padrasto, os três Reis Magos, Belchior, Baltazar e Gaspar com oferendas, estrelas, tochas e pastores a vigiar ovelhas que correriam à manjedoura, a adorar o recém-nascido Menino Salvador de Belém. Em tempos, assaltei no teu computador.
Bastou-me recuperar a memória para que a Ellyzé interrompesse o meu raciocínio.”
Natal Feliz

FELIZ NATAL a todos quantos, conhecidos e desconhecidos – ao jeito de cada um, na ausência ou presença, com estrondo ou silêncio, na reflexão ou cumplicidade, na mentira ou verdade, no desdém ou abraço, com cara-mamão ou sorriso – tornaram diferente a felicidade da criança que me coube o mistério da Autópsia da Alma da Ellyzé, neste especial ano!
BOAS ENTRADAS E BOM ANO - como se diz na ponta da língua são-tomense - com SAÚDE, TRABALHO E ALEGRIA!
Mãe! Descanse em Paz Eterna!
Do seu filho,
José Maria Cardoso