AMBRÓSIA

Edição exclusiva

Domingo, 10 de Março de 2024

«SOKUPÉ» à minha Mãe San MOSA

Mãe! A barafunda que você nos deixou, por maior interesse de esclarecimento, está sendo uma montanha inimaginável de escalar, ao ponto da ventania empurrar-me por caminhos sinuosos de agarrar a mais pontiaguda rocha. Não vislumbro, sem pedras, o caminho de evitar a lenga-lenga de teres sido e convivido em duas Mães, com registo dos filhos por cada uma.
O imbróglio, parecendo que não, é o suficiente para estudos responsabilização do Estado português, não deixando a igreja católica, responsável na época, pelo registo de natalidade e mortalidade, livre de culpa, incluindo as tuas sobrinhas da Trindade.

Então!?
Algumas adiantadas na minha idade, uns vinte anos, deveriam ter na ponta da língua as informações detalhadas e assertivas de quem, afinal, é a minha Mãe. Ambrósia ou Bebiana? Nas ilhas onde tudo se sabe, não sei como todo mundo e só através de mim, estica orelhas à "bagunça" de San Mosa que a vila, elevada à categoria de cidade e capital distrital de Mé-Zóchi, viu parir e cuidar de filhos e netos, na minha Cédula Pessoal preta, oficialmente é Bebiana, não é a Mãe dos meus irmãos, ou seja, uma parte deles.

Oh Mãe! A Ambrósia não morreu ou fazendo fé ao Estado, ela jamais existiu,nem fatalmente, perdeu sua vida ao nascer de uma das barrigas que o teu pai Ambrósio deu na minha Avó San Tilha e fizeram nascer Nóvito, Afonsina, Beatriz, Ambrósia e os gémeos Bebiano e Bebiana. Por esta lógica, na qualidade de gémeo de Maria José, os prognósticos atiram-me à Bebiana, falecida no dia 7 de Janeiro passado, aos 94 anos de idade, mas os gémeos não são seus únicos filhos. Na linha da frente, nós somos cinco, talvez quatro. Os dois últimos partos, são filhos da Ambrósia, falecida com 90 anos, no mesmo dia, 7 de Janeiro.
Mãe! Essa aí, a Ambrósia, como já tornei público na primeira rubrica, sem a existência na base dos dados informáticos, a funcionária da Conservatória, contornou a Reforma Administrativa do Estado, a par da democracia, tão propalada desde os anos 90 – como que a Administração Pública fosse prostituta, de pernas abertas à maçada, vai apenas mudando de mãos dos homens, larápios, caindo cada dia mais no poço – dizia, a jovem funcionária, num contexto lícito e fazendo valer a autoridade do Estado, recusou ter existido a Mãe dos meus irmãos, nascida em 1933. Ordenou e, não havia como discordar, o sepultamento da Bebiana, nascida em 1929.
Como que fosse uma lenda, nunca é demais repisar essa fatalidade de duas pessoas, documentadas oficialmente, numa só mulher. Uma mais velha e a outra, mais nova. As duas nascidas num mesmo dia e mês, mas com a margem temporal separando os anos. Como foi aceitável registar a criança de quatro anos, na qualidade de bebé acabada de atravessar os nove meses uterino e ver a luz do Sol?

Américo Cardoso

Américo, o meu pai de olhos-de-gato

Mãe! Sem pai, nem Mãe, não imagino como vim parar a esse mundo. Não sou filho adotivo! Pois não!?
Deixei, com a clareza da água da cascata de San Nicolau, naquela «Rumba à minha Mãe San Mosa» de que o meu pai, não é filho dos meus avôs Raul e Maria Preta Lavres, a rainha da Dêxa. Jamais conheci meu pai, nem pai dele, quem em miúdos, enviávamos as cartas sem endereços e rasgadas nos roncos dos aviões. Ainda assim, ela inspirou-me a amar ao pai-de-filhos, o Américo Cardoso, seu leve-leve, sorriso encantador, seus olhos-de-gato, homem de simpatia contagiante a todo mundo, antigo“unimog-rista” e tratorista de roça Ponta Figo, empresa Porto Real e, no fim, motorista e segurança do hotel de Herllinger, estagnado a sua morada em Oque-Del-Rei junto da senhora Albertina, a Mãe das últimas seis barrigas que ele deu na minha madrasta.

Mesmo assim, perentoriamente, San Mosa recusou os filhos de adotarem pai ao padrasto, mas embarcou-nos chamar Mãe à uma das caridosas mulheres do seu Américo, a Dos Anjos, do Príncipe. Tive uma outra Mãe, a Mãe Maria da Invejada, a serviçal da dona Teresa, a senhora branca, proprietária do espetacular chalé, pequena terra e belo jardim de lindas flores, envolventes, sem muro de vedação, com que a nossa Trindade, elegante, recebia os olhos dos visitantes. Do leite angolano e parida de fresco, amamentei daqueles seios serviçais e dançantes, únicos de "puíta", sempre que San Mosa, não estivesse por perto para apaziguar os gritos selváticos do bebé. Desde bebé que o meu ruído incomodava aos ouvidos surdos de homens e mulheres.

Ambrósia e justiça da cidade

Mãe! Vem a primeira questão que deveria ser esclarecida pela San Tilha, a beneficiadora alegre dos primeiros cinco anos da soberania nacional e de quem saboreávamos "awá mon gibon", o "calúlú", completamente tradicional. O caldo verde de peixe, confecionado a medida, por folhas pescadas ao redor do quintal, levava uma eternidade para cozinhar na panela de barro, comigo assediado por "makêkê", quiabo e ossos do tubarão, este fumado para dar gosto digestivo. A panela levava com o fogo cadenciado, desde o brilhar do sol, até ao meio da tarde para todos condimentos misturarem-se num sabor especial de alimentar ao estômago com "angú", a banana pisada.
Oh Mãe! Também chamávamos Avós, as idosas da vila, inclusive a de Almeirim, a San Paulina, nossa amicissima, na verdade, a Avó do Batista, o teu primogénito. Já não existindo o teu pai, o Ambrósio, só chamei avô, os longos anos no pensamento, ao português da «Dêxa», o avô Cardoso Manco, sem conhecer-lhe, quem na realidade, vim a receber a primeira beijoca na envelhecida barbearia João Pedro Dias - na travessia de férias do velho de Príncipe para Portugal - eu quase um homem, estudante do liceu.
O tempo é precioso. Não vou esmiuçar a beijoca da minha Avó Maria Preta, de quem recebi a primeira, com o meu embarque à ilha do Príncipe na descoberta de mim mesmo, já homem de barba, ficando a saber de que a origem dela, pertence aos Lavres. Sim, somos os Lavres, bisnetos do valente João Lavres, originário dos escravos libertos do quilombo no Brasil.


A questão. Onde a Mãe dos meus irmãos, a Ambrósia, falsificou o documento de identificação, renovado, até que se tornou perpétuo? Confiado à mim, desde garoto, o seu secretário, eu fazia compras de laranjada, na fábrica de 3 de Fevereiro, a Flêbê, na capital, aquisição de cerveja da Ceto, mais tarde Rosema, em Neves e nas outras diligências para movimentar a sua barraca no Parque da Trindade, confesso, nunca me apercebi de que a titular do Bilhete de Identidade, não era a minha Mãe Bebiana. Era a Ambrósia.
Oh Mãe! Mais outra questão pertinente.
Caso uma delas cometesse crime - a maldade hoje na moda e tolerada pelo Estado, ao mais alto - qual delas, iria prestar contas à justiça? Bebiana ou Ambrósia? Aliás, a Ambrósia nunca teve receio de tribunal. Que mulher guerreira!?
Subiu e desceu à justiça dos juízes portugueses, mais tarde, a dos magistrados nacionais, Zeca Trovoada e talvez, também Flaviano, cem vezes, sempre aconselhada pelo brilhantismo jurídico de Bartolomeu Cravid, o marido da prima Iva, para que o pai dos gémeos depositasse a mesada aos filhos da Bebiana. Mais recente, uns vinte anos atrás, a Ambrósia, voltou ao tribunal, agora do juiz Lavres para que o pai dos filhos de uma das netas da Bebiana, assumisse a paternidade.

Menino Nóvito

Mãe! Haverei de dedicar algum tempo, exclusivamente, a uma espécie de planta genética num site disponível ao preenchimento pelos familiares e, não só, a partir da raíz, o teu pai Ambrósio e as respetivas mães dos filhos, porque tem sido interessante as descobertas das tuas sobrinhas da Trindade. Ainda assim, não resisto em partilhar uma anedota, talvez não fosse para época, já que elas, ativas e prestativas, desenterraram alguém com "HO" grande e mãos cheias de atrevimento. O teu irmão, o Nóvito, não foi um qualquer homem.
Talvez por ter sido figurante de Carnaval, cuja máscara exibia-se à entrada da sala, as suas senhoras, nos arredores da vila, convivemos com três, em simultâneo, beneficiadas do título de respeito, tias X, Y e Z, para o meu espanto, todas faziam-lhe banho quente de folhas medicinais. Para aí! No quintal, jamais chamamos tios aos pais dos filhos das nossas tias. Porquê das mulheres serem as beneficiadas?

Mãe! Pelo meio, a tertúlia de subidas e descidas ao tribunal, vem à superfície, porque o Simplício Gama, o filho do teu cunhado, o saudoso Rangel alfaiate, há dias e após sair despistado pela "Rumba à minha Mãe San Mosa", aproveitando-se das fofocas da vila, o rapaz bloqueou-me na parede da Trindade. Questionou, quando a San Mosa, anos lá atrás, foi à justiça da cidade, apresentando queixa contra a vila, se a minha gémea, na época, menor de idade e violada sexualmente pela Jota, não teria ficado grávida da Trindade? O que é feito dessa criança?


Até aos dias de hoje, a água ainda não corre no chuveiro da cidade, agora, dificilmente, das torneiras públicas, daí não haver nada de anormalidade aquecer água na fogueira, até porque com o sangue fresco, a juventude não tomava banho de água quente. Era coisa dos mais velhos.
Oh Mãe! A insólita descoberta, é a do teu irmão, falecido com mais de oitenta anos, jamais ter crescido. Não é bem assim. O pintor, foi mimado de menino, a vida toda. O homem de altura média, sempre bem ataviado na vila e no passatempo das tardes de bisca 61 com "sô" Maciel, "sô" Ângelo e doutor Guadalupe, no rés-do-chão do antigo hospital-maternidade, Associação de Socorros Mútuos, confiado em bom estado à democracia, aquando de banho, a cantiga mudava de água para vinho.
"Nu tátali", pelado, sentava-se na gamela para que as esposas lhe lavassem, no devido respeito, o corpo todo, de cabeça aos pés. Isso não era assédio sexual!? O teu filho, em lágrimas alegres e desviantes da tristeza do quintal de velório, fartou-se de rir, ao ponto das gargalhadas apertarem-lhe as costelas.

Voto no Partido Socialista

Mãe! Contexto embaraçoso, urgente e de agenda possível, forçou o meu salto à Lisboa. Sem cruzar braços, juntei útil ao agradável, apesar de muito chateado com António Costa, não pelas políticas encostadas à direita para manter ganhos financeiros do Estado, mas pelo facto do 1° ministro demissionário português, descaradamente, optar o seu apoio à chacina de são-tomenses, apenas para não deixar cair um amigo da mesma família política. Você está a imaginar a reação de Portugal, caso os macabros acontecimentos e perante as provas dos factos, nuas e ao vivo, tivessem ocorrido na vigência da anterior maioria governativa?
Que hipocrisia da geopolítica internacional!?
Habituado a depositar confiança eleitoral no Bloco Esquerda, eu preferi ferir à minha consciência e da mesma voar neste fim-de-semana eleitoral, num voo um pouco balançado nos minutos antecedentes as rodas no chão de Portela, o aeroporto Humberto Delgado - na aterragem entre cidades europeias, pela primeira vez ouvi palmas à simpática equipa de aviação - para dar, última hora, alguns votos de amizades ao PS de Pedro Nuno Santos. Mantenho fé que apenas a esquerda pode conduzir o equilíbrio do país, retirando proveitos económicos de oportunidades europeias e melhorando os benefícios sociais aos mais vulneráveis. Direita é direita e muito pior que a Aliança Democrática de Luís Montenegro, ando com a ânsia nos ouvidos para que, logo mais na contagem do escrutínio, os eleitores tenham contraído os fascistas do Chega, de André Ventura, que até goza com um preto às costas para assediar votos aos africanos que espezinha e ameaça na sua propaganda mentirosa.
Oh Mãe! Já não é dúvida para ninguém que a direita privilegia dinheiro à frente das pessoas e, mais agravante, corta-olhos aos imigrantes económicos, especialmente, os africanos que têm alimentado economia e sustento da Segurança Social portuguesa, muitos mesmo vivendo e trabalhando pela Europa fora. O teu filho é, apenas um, dos milhares e milhares de luso-africanos que correm e de forma recorrente atrás de Portugal para gastar dinheiro sacado ao suor além-fronteiras. Somente PS, Bloco Esquerda, PCP e os seus aliados da esquerda portuguesa reconhecem e valorizam o esforço dos trabalhadores estrangeiros e com as políticas de legalização e nacionalidade, duas práticas, permitiram e permitem inserção na sociedade portuguesa.

Despedida à Ambrósia

Mãe! Impressionante! O Bilhete de Identidade deixado por você, óbvio, é da Ambrósia e não da Bebiana. Sem exibição, luxo, nem desperdício público, a existência delas, vai para lá dos 100 anos que completarias, muito em breve.
Há sempre um século às palavras. A Paloma, ingénua criatura e estreante do Jardim de Infância, a primeira escola, no dia da tua despedida final do quintal, segunda-feira, 8 de Janeiro último, após ser atravessada três vezes por cima do teu caixão, como que a Bisavô fosse a Santíssima Trindade para sua bênção, a inocente, sentenciada por choro e cantigas de adultos, silenciou todo mundo: «Mãe Mosa vai ao Céu, depois ela volta aqui em casa!»
Minha Mãe San Mosa! Descanse em Paz Eterna!
O teu filho,
José Maria Cardoso